segunda-feira, 23 de maio de 2011

Poderá a Europa escapar à armadilha da dívida? Sim. Eis como

Os mercados financeiros tiveram êxito ao pedirem a imposição de austeridade severa na periferia da eurozona – Grécia, Irlanda e Portugal – para tratar da dívida pública. Os mercados também manifestaram preocupações acerca disso nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Japão, clamando por austeridade. A dívida pública parece operar como uma máscara por trás da qual jaz um sombrio mundo de credores para cuja manutenção economias inteiras são hipotecadas.
Poderá esta máscara ser levantada? Ela o foi em outros países, através do mecanismo de uma auditoria da dívida . Iniciativas como esta aconteceram no Brasil, Equador e alhures a fim de desembaraçar a teia de segredo em torno da dívida e verificar quem emprestou a quem, quando e para que propósito. Tipicamente, há uma expectativa de que pelo menos uma parte da dívida venha a ser considerada "ilegítima" e portanto possa ser repudiada.
O Equador proporciona um exemplo gritante. Em 2007 o presidente Correa constituiu uma comissão de auditoria da dívida , a qual em 2008 informou que uma parte da dívida do país era na verdade ilegítima e havia feito "dano incalculável" ao povo e ao ambiente do Equador. O preço da dívida ilegítima a seguir entrou em colapso nos mercados abertos e o Equador livrou-se dela facilmente.
Apesar das previsões de desastre económico o país registou crescimento económico de 3,7% em 2010 e a previsão é de um crescimento de mais de 5% em 2011. A importância do exemplo equatoriano para os debates actuais na Europa é óbvia.
Eis porque foi lançada em Março uma campanha para uma comissão grega de auditoria com apoio de organizações civis, sindicais e partidos políticos. Um dos seus maiores êxitos foi o documentário Debtocracy , o qual foi assistindo por um milhão de pessoas. Num país que se sente humilhado e deprimido, a campanha apresentou um pouco de esperança.
Num exemplo de solidariedade europeia, várias entidades incluindo Action from Ireland , a Irish Debt and Development Coalition e o sindicato Unite , estão, no dia 4 de Maio, a lançar uma auditoria da dívida na Irlanda. Académicos com experiência e ciências económicas, finanças, direitos e disciplinas relacionadas estão a ser designados para vasculhar as contas públicas a fim de enfrentar várias questões. A quem é a dívida da banca? Quando foi contratada? Especificamente, foi antes ou depois de ter sido emitida a garantia bancária do governo de Setembro de 2008? Quando são os reembolsos da dívida? Quanto já foi reembolsado e a quem?
Enquanto isso a campanha grega está a dar passos para arrancar com as suas próprias investigações. Qual é o estatuto legal da dívida contraída com os bons serviços da Goldman Sachs que apresentou a contratação do empréstimo público como uma transacção de derivativos? Quão legal é a dívida financiar novas compras de armas num dos países mais militarizados do mundo? Acima de tudo, quão legítimo é o empréstimo extraordinário de €110 mil milhões da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional que se afirma ser necessário para "salvar" o país – ao preço de feroz austeridade nas despesas públicas? O empréstimo não seguiu o procedimento normal para a contracção de dívida pública, incluindo a aprovação do parlamento da Grécia.
Estas investigações preliminares estabelecerão factos para promover o pedido de uma auditoria democrática plena e de uma resposta soberana à dívida. O que é necessário em última análise é o pleno acesso aos dados da dívida, o poder de examinar testemunhas e mesmo a capacidade de examinar contas bancárias. Sobre esta base, comissões de auditoria constituídas adequadamente poderiam fazer recomendações críveis sobre a dívida que é ilegítima ou simplesmente insustentável. O estado soberano poderia então efectuar as acções apropriadas, incluindo o repúdio da dívida e a cessação de pagamentos.
A campanha por auditorias da dívida também terá uma importante função educacional a desempenhar através da Europa. Povos nos países centrais, incluindo a Alemanha, parecem ainda não ter percebido que os empréstimos proporcionados pela UE e o FMI não estão a salvar mediterrâneos e celtas irresponsáveis. Eles estão de facto a salvar bancos que se empenharam em empréstimos lucrativos e irresponsáveis no decorrer dos anos 2000. E este será o tema de uma reunião de activistas em Atenas de 6 a 8 de Maio. Participantes de todo o mundo trocarão ideias sobre como enfrentar a dívida pública europeia. Após mais de três anos de crise, movimentos da base estão pelo menos a emergir para se oporem à dominação da dívida, da austeridade e do neoliberalismo por toda a Europa.

por Costas Lapavitsas e Andy Storey [Fonte: www.resistir.info]

Sem comentários:

Enviar um comentário